segunda-feira, 8 de novembro de 2010

[Especial Analise] Auto Terapia

Posted by Science World On segunda-feira, novembro 08, 2010 0 comentários


A renovada esperança das células estaminais
Por um lado, estão há anos no olho do furacão científico, ético e político. Por outro, são objecto de desejo da medicina, uma luz ao fundo do túnel para as doenças sem cura. As células estaminais, capazes de gerar (e regenerar) qualquer tecido do organismo, já começaram a mostrar o seu imenso potencial terapêutico.
Células Estaminais, Pluripotentes
Em 2006, o cientista japonês Shinya Yamanaka, da Universidade de Quioto, anunciou uma descoberta que agitou a comunidade científica. Asseverava que qualquer célula adulta do organismo podia recuar no tempo e recuperar a maravilhosa capacidade de transformação da etapa embrionária, ou seja, converter-se em qualquer das mais de 200 estirpes celulares do corpo humano.
Essa conclusão, à qual chegara, quase em simultâneo, Konrad Hochedlinger, do Departamento de Células Estaminais e Biologia Regenerativa da Universidade de Harvard (Estados Unidos), tornava desnecessário o recurso a embriões humanos para fins de investigação, algo que continuava a ser alvo de considerável rejeição moral por parte de alguns sectores da sociedade. A técnica consiste em obter células adiposas, da pele ou do músculo de um paciente e injectar-lhes um retrovírus (vírus com ARN, em vez de ADN) com quatro dos genes que entram em acção nos primeiros dias do desenvolvimento embrionário humano: Oct4, Sox2, Klf4 e c-Myc. Após algumas semanas de espera, opera-se o milagre: as células infectadas obrigam o seu relógio biológico a fazer marcha atrás e transformam-se em iPSC (induced pluripotent stem cells, ou seja, células estaminais de pluripotencialidade induzida).
A bomba que regenera
Na realidade, as pluripotentes ocupam apenas o segundo degrau na escala de diferenciação celular. Antes, temos as células totipotentes que, ao contrário das anteriores, podem mesmo configurar tecidos pré-embrionários, como a placenta. Numa posição inferior na hierarquia, encontramos ainda as multipotentes, que dão origem a outras da mesma estirpe (gordura, osso, cartilagem, músculo), e as unipotentes, que apenas produzem células homólogas do tecido a que pertencem. Os técnicos utilizam quase sempre as multipotentes, muito úteis para recuperar a pele, os intestinos, o cabelo ou os ossos. Em conjunto, formam a bomba que regenera e purifica o organismo, fabricando a quantidade necessária de células.
Antes do aparecimento das iPSC, a única forma de devolver uma célula à “primeira infância” era injectar o material genético de uma adulta num óvulo a que fora retirado o núcleo. Embora as tentativas para criar células embrionárias através deste método não tivessem resultado, comprovou-se a sua capacidade para regenerar tecidos danificados. Em 2007, Rudolf Jaenisch, investigador do MIT (Instituto Tecnológico do Massachusetts) conseguiu curar um rato de uma anemia falciforme com recurso a células pluripotenciais induzidas. Demonstrava-se assim, pela primeira vez, a sua eficácia terapêutica.
Hoje, as iPSC estão a ser cuidadosamente escrutinadas por cientistas de todo o mundo. Porém, nem tudo são alegrias no laboratório: já se detectou que podem surgir mutações que favorecem o aparecimento de tumores. A culpa dessa consequência recai, principalmente, nos retrovírus utilizados como vectores (veículos para o transporte dos genes), pois são directamente incorporados no ADN da célula hospedeira e permanecem sempre activos. Como se isso fosse pouco, dois dos genes usados pela nova técnica (o Oct4 e o c-Myc) aumentam o risco de cancro.
O laboratório de Konrad Hochedlinger procura evitar esse desfecho substituindo os retrovírus por adenovírus, os quais permanecem activos apenas o tempo necessário para rejuvenescer a célula. É também no mesmo sentido que trabalha o grupo de Juan Carlos Izpisua, professor do Instituto Salk, na Califórnia, e director do Centro de Medicina Regenerativa de Barcelona: decidiram prescindir do mensageiro viral e conseguiram mesmo substituir um dos genes cancerígenos.
A investigação só agora principiou, pelo que os especialistas mostram-se cautelosos. Quanto mais pluripotente for uma célula, mais possibilidades terá de se tornar invasiva, advertem. Efectivamente, as alterações genéticas que as células estaminais acumulam podem ter consequências funestas. Estudos recentes indicam que os tumores malignos nascem e reproduzem-se a partir de células com características semelhantes às pluripotenciais saudáveis, o que poderia explicar as recaídas de muitos pacientes após os tratamentos. Assim, controlar tais efeitos indesejáveis poderia representar um ponto de inflexão.
Falta ver se irão mudar a medicina
Actualmente, a maior parte da investigação básica já é feita tanto com células embrionárias como com pluripotenciais induzidas. “Depois de reprogramadas, possuem a faculdade de se transformarem nos 220 tipos de células do organismo”, sublinha o biólogo canadiano Hans Schöler, do Instituto Max Planck de Biomedicina Molecular, situado em Munster (Alemanha). Doenças actualmente incuráveis, como a de Parkinson ou a diabetes, são o alvo das investigações.
Embrião Humano
Contudo, num artigo publicado na revista Scientific American, Hochedlinger trava todo esse entusiasmo: “Será preciso responder a muitas perguntas até podermos dizer que as iPSC vão mudar a maneira de exercer medicina, ou que são, efectivamente, equivalentes às embrionárias.” A opinião ilustra o actual debate: enquanto muitos cientistas pensam que é prioritário trabalhar com células estaminais embrionárias, outros apostam nas iPSC como constituindo uma espécie de atalho para ultrapassar os obstáculos de carácter moral e jurídico que se erguem em alguns países.
No que todos concordam é que ainda resta um longo caminho por percorrer antes de a utilização de células não-diferenciadas (quer provenham directamente das primeiras etapas embrionárias humanas ou sejam rejuvenescidas em laboratório) deixar de criar problemas e se tornar uma realidade no combate às doenças. As células embrionárias são provenientes de embriões criados para fecundação in vitro e que nunca foram utilizados. Todavia, a sua obtenção pressupõe a destruição de em briões, o que provoca uma polémica de carácter ético em torno do assunto. Em Portugal, ainda existe um vazio legal sobre a investigação com este tipo de células, mas o Governo já anunciou que irá legislar sobre a matéria em breve.
O que se está, efectivamente, a tornar uma prática habitual e admitida é a terapia celular com células estaminais adultas. Poderíamos situar a sua origem em 1970, ano em que Edward Donnall Thomas efectuou o primeiro transplante de medula, proeza médica que lhe valeu o Prémio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1990. Consiste em isolar células estaminais da medula óssea, do tecido adiposo ou de outras zonas do corpo humano para regenerar a córnea, a pele ou os ossos, por exemplo. Deste modo, consegue-se evitar o risco de rejeição, dado que o material genético provém do próprio paciente. Estão também em fase adiantada as experiências para substituir células do fígado afectadas, e também neuronais, no caso das doenças de Parkinson e Alzheimer.
Cuidado com os milagres!
Outro caso é o de uma investigação do programa MIT-Portugal, que poderá representar uma derradeira esperança para doentes que sofrem de leucemia. Como se sabe, encontrar um dador de medula óssea compatível pode significar a cura para estes, mas o facto é que, em cerca de metade dos casos, surgem episódios de rejeição que podem ter consequências fatais em alguns dos pacientes. Agora, no âmbito da parceria MIT-Portugal, investigadores portugueses e norte-americanos estão a usar clinicamente células estaminais que conseguem neutralizar a rejeição numa das suas formas mais graves, em que ataca o hospedeiro.
Segundo Joaquim Sampaio Cabral, coordenador do projecto, citado pelo jornal Expresso, “essas células mesenquimatosas podem ser isoladas a partir de vários tecidos do corpo humano mas, no caso presente, foram obtidas da medula óssea. São células que vão ajudar o sistema imunológico do paciente a responder relativamente a um determinado tipo de patologia, chamada doença contra o hospedeiro.” Irá competir, depois, aos investigadores do Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia, do Instituto Superior Técnico, descobrir a melhor maneira de multiplicar as células, assim como ao Centro Lusotransplante de Lisboa fazer que se alcance rapidamente o número a partir do qual se poderá salvar vidas.
Todos estes esforços e precauções em matéria de investigação devem colocar-nos de sobreaviso perante as curas milagrosas prometidas por certas clínicas na internet, quase sempre ineficazes e bastante perigosas. Doentes desesperados viajam até à China, à Ìndia ou a outros países em busca do chamado “turismo das células estaminais”. A revista Science denunciou, recentemente, que algumas empresas japonesas anunciam técnicas com células estaminais para combater a diabetes, a doença de Alzheimer ou lesões na coluna vertebral. Por sua vez, há centros na Alemanha que se oferecem para curar problemas que vão da disfunção eréctil à esclerose lateral amiotrófica. Por outro lado, uma clínica da Costa Rica foi fechada pelas autoridades, em Junho passado, por ter enganado muitos norte-americanos, os quais chegavam a pagar 30 mil dólares por um tratamento celular fictício.
Por muito inovadoras que as técnicas pareçam ser, a arte de enganar o próximo é ancestral e há quem não tenha escrúpulos em prometer a cura para a leucemia ou mesmo o síndroma de Down. Desconfie dos génios e das genialidades: a ciência avança cautelosamente por um terreno muito promissor mas que ainda está longe de constituir a panaceia para todos os males.

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